
Boa sorte na Europa, Matheus
CRÔNICAS
Emanoel Ferreira
2/11/2025
Domingo passado, no cauteloso ritmo a mim imposto pela marca dos trinta e três anos, pelas cobranças de leitores exigindo a continuação de Crimes Mágicos e pelo cansaço de quem esteve contribuindo com o preparo das dezoito marmitas a serem consumidas pela família na semana, sentei-me diante da TV para tomar modestas duas cervejas Spaten e testemunhar o Cruzeiro ser derrotado.
Gabi, que também atende por Gabigol e, mais raramente, para desgosto da própria certidão de nascimento, Gabriel Barbosa, acertou uma cotovelada no rosto do adversário e foi posto para fora de campo após o árbitro da partida conferir o VAR. O técnico do outro time, Cuca, disse em entrevista que o lance não foi determinante para a derrota do Cruzeiro; são os tempos pós-modernos, eu acho, e pensar duas vezes antes de negar qualquer obviedade é só desperdício de time.
Depois da partida, nosso camisa 10 afirmou o desejo de deixar o clube. Nada com o Cruzeiro; ele quer criar o filho na Europa. "Não é você, sou eu".
Apesar do fora, desejo ao Matheus Pereira uma providencial transferência nas próximas semanas, para onde consiga reencontrar o futebol há algum tempo esquecido. Mas...
...Mas, claro, se você está minimamente atento às notícias, talvez esteja pensando sobre algo em específico.
Eu também estou pensando a respeito disso, mas o fato é que o filho do Matheus Pereira terá dinheiro o suficiente para não sofrer as agruras impostas pela xenofobia europeia, menos tímida a cada ano, àqueles tentando amainar no velho continente as mazelas deixadas como legado pela colonização deles próprios, os europeus, na periferia do capitalismo. E isso é uma boa notícia para a família.
Todavia, se as contradições econômicas do sistema acirrarem-se (tão certo quanto o sol nascerá no leste), torço pelo retorno do nosso camisa dez ao melhor lugar possível a qualquer brasileiro: o Brasil. Por aqui, ainda precisamos lidar com o Bolsonarismo, é verdade, mas nem muito dinheiro fará com que os seguidores do Partido Popular Suíço, da Frente Nacional da França, do Fidesz ou do Alternativa para a Alemanha, aquele mesmo do Elon Musk, enxerguem humanidade em pessoas como nós.
Mas este raciocínio exige alguns pressupostos. E eu não faço ideia se Matheus Pereira os tem. Digo: não há imigrantes brasileiros apoiadores de Donald Trump descobrindo, surpresos, serem irremediavelmente latinos, a despeito da cor de sua pele?
É como eu disse: este raciocínio exige alguns pressupostos. Sem eles, você é só alguém muito confuso, para quem o mundo não parece fazer sentido, descontente com "tudo isso que está aí".
Foi pensando sobre essas coisas que percebi terminado o domingo de derrota. Ainda tentei revisar um pouco mais de Crimes Mágicos Parte 2, livro já finalizado com suas 300 páginas A4 e 87 mil palavras, mas tudo é sempre ruim quando o Cruzeiro perde. Fechei o arquivo, incapaz de progredir, e fui dormir com a certeza de que duas Spaten não fazem mal a ninguém.